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Lápis cor de pele

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Racismo é quando a gente faz dodói e racha. Bullying é um negócio de colocar café, água e chá quente. Discriminação é uma flor muito bonita, acho que é uma cor rosa. Xenofobia é uma casa mágica.

Será que é possível imaginar um mundo sem intolerância? Esta pergunta aparece como título de um vídeo, postado no YouTube, em que crianças tentam conceituar palavras muito conhecidas pelos adultos. A singularidade cômica de cada resposta nos mostra que existe algo preservado na relação das crianças com o diferente, com o outro. Não apenas por esse exemplo, mas quem convive com criança sabe da capacidade natural de empatia que elas carregam. Ao assistir a este vídeo eu fiquei me perguntando em que momento da vida as crianças perdem essa condição espontânea de alteridade? Em que momento nós perdemos?

Enquanto brincava de colorir com a minha filha, eu encontrei uma resposta. "Me alcança o lápis cor de pele por favor, papai''. Por sorte, na primeira passada de olho eu não consegui localizar o tal lápis na caixa. Clara, então, fez isso mais rápido do que eu. Foi justamente nesse momento que pude perceber qual era o objeto que representava, para ela, a "cor de pele''. O lápis escolhido contrastava com a tonalidade da pele daqueles pequenos dedinhos que o seguravam. Em relação a minha pele, também, o contraste era nítido. Após alguns segundos de reflexão, indaguei-a sobre o porquê ela havia escolhido aquela cor. Com a naturalidade de uma criança que, como qualquer outra, absorve tudo que está a sua volta, ela entregou um "porque sim'' como resposta. Percebi que precisava mostrar que a nossa caixa de lápis tinha uma séria limitação de cores. Bem na verdade, tive que encontrar uma maneira lúdica de mostrar que aquilo que ela havia aprendido sobre "lápis cor de pele'', precisava ser revisto.

Primeiro eu mostrei que aquele lápis não representava a nossa própria cor. Depois, no computador, eu pesquisei o máximo de exemplos possíveis de rostos humanos, para mostrar que existe uma diversidade quase que infinita em relação à cor de pele. Esta "aula'' durou poucos minutos, não precisei de muito esforço para que ela entendesse algo supostamente tão óbvio. Não perdi tempo buscando entender como ela havia aprendido isso antes. Se foi na escola, se foi na convivência com outras pessoas ou comigo mesmo.

O lápis cor de pele é um exemplo sútil. Uma semiótica que nos atravessa de maneira quase que imperceptível. Por vezes, a nossa visão antropocêntrica está tão naturalizada, que se torna difícil de mapear em que momento se inicia a (des)educação das crianças.

Em muitos momentos, infelizmente, precisamos nos deparar com situações de violência explícita. Só assim, talvez, conseguimos refletir sobre a discriminação que a nossa sociedade construiu. O caso do norte-americano George Floyd, morto por um policial branco há poucas semanas, é um exemplo marcante da cegueira que vivemos. No Brasil, o garoto João Pedro teve a vida abreviada no Rio de Janeiro, em uma atuação policial que é difícil de ser explicada. Bem na verdade, parece que o racismo se estabelece como regra e não como exceção em nosso país. O que precisa mais acontecer para que uma mudança estrutural ocorra?

Nos Estados Unidos, após a morte de Floyd, uma série de protestos se estabeleceram. Em meio às cenas impactantes das pessoas nas ruas, um vídeo emocionante ganhou a internet. A filha de Floyd, Gianna, de 6 anos, aparece erguida nos ombros do tio e enquanto observa as manifestações diz: "o papai mudou o mundo''. Eu espero que ela esteja certa. Que a cruel ausência do seu papai não seja em vão.

Precisamos atualizar o nosso conceito de humanidade diariamente, até que todas as diferenças possam ser respeitadas.

Nessa história da caixa de lápis, descobri que uma empresa de Porto Alegre já está fazendo a sua parte. Com a série "tons de pele'', a Koralle lançou uma caixa de giz de cera com 24 tonalidades diferentes. Se trata de uma iniciativa simples, mas que certamente pode nos ajudar a pintar o mundo com mais igualdade.

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